A saga do título da Argentina na Copa do Mundo 2022 tem roteiro de cinema. O time chegou ao Catar como o segundo favorito, embalado pela conquista da Copa América sobre o Brasil, e pela grande vitória na finalíssima contra a Itália.
No entanto, logo na primeira rodada da Copa do Mundo, a Argentina foi derrotada pela Arábia Saudita, o que acabou sendo um grande choque de realidade, e rapidamente trouxe questionamentos sobre a verdadeira capacidade da equipe.
Dessa maneira, a única solução seria se reinventar. Mas em uma competição de tiro curto, daria tempo?
Lionel Scaloni reagiu rápido promovendo mudanças significativas na equipe para o jogo seguinte contra o México.
Deu resultado!
Para cada adversário, Lionel Scaloni alterou sua equipe. Aliás, a seleção da Argentina não repetiu a mesma escalação em nenhuma das 7 partidas da campanha do título.
A análise tática detalhada da Argentina na Copa do Mundo de 2022 é uma verdadeira aula sobre futebol.
Portanto, nesse artigo vamos refletir sobre o porquê de cada mudança de sistema, a escolha dos jogadores de acordo com o adversário, e como Scaloni moldou a trajetória do tricampeonato.
Ao final desse texto você entenderá tudo o que foi necessário para que a Argentina saísse do desastre da estreia, e alcançasse a eternidade da história do futebol.
Boa leitura!
A Grande Decepção Na Estreia
Em sua estreia, a Argentina tinha pela frente o adversário (em tese) mais fraco do grupo: a Arábia Saudita.
Scaloni escalou a equipe com Martínez; Molina, Romero, Otamendi e Tagliafico; Di María, De Paul, Paredes e Papú Gómez; Messi e Lautaro Martínez.
Organização defensiva da Argentina contra a Arábia Saudita.
Com a bola a organização do time foi bastante ofensiva em termos de posicionamento. Isso porque o time jogou com quatro jogadores na construção, enquanto espetava seis jogadores na defesa adversária.
Além disso, é importante destacar que a Arábia Saudita adotava uma linha defensiva extremamente avançada. Com isso, os seis jogadores mais adiantados iniciavam as jogadas sempre no limite do impedimento.
A Arábia Saudita convidava a Argentina a tentar os lançamentos, e confiava nos encaixes de marcação para neutralizá-los.
Organização ofensiva da Argentina contra a Arábia Saudita.
Apesar do enorme espaço nas costas da defesa árabe, e da enorme diferença de nível técnico, a Argentina não conseguiu produzir um grande volume de chances de gol.
Problemas da Argentina contra a Arábia Saudita
A despeito do grande volume de jogo e posse de bola, a Argentina criou um número proporcionalmente baixo de grandes oportunidades de gol. Para isso, alguns fatores foram determinantes:
- A ausência de jogadas para desencaixar a marcação. Como por exemplo: embaralhar as linhas, tabelas de três jogadores, e infiltração do elemento surpresa.
- Jogar com os pontas invertidos. Com um destro Papú Gómez pela esquerda, e um canhoto Di María pela direita, o time encontrava sérias dificuldades para explorar jogadas de amplitude para forçar cruzamentos nas costas da defesa.
- Erros individuais. De maneira geral, talvez pela ansiedade da estreia, os atletas cometeram erros que não costumavam cometer em seus clubes. Em especial, o time errava o timing dos lançamentos e acabava em impedimento na maioria das tentativas.
Mesmo errando bastante, a Argentina terminou o primeiro tempo vencendo por 1 a 0, com Messi marcando de pênalti, após lance duvidoso. No entanto, logo no começo do segundo tempo a Arábia Saudita virou a partida.
Arábia Saudita Vence a Argentina e Faz História
Um gol de contra-ataque, e outro em uma bela jogada individual de Salem Aldawsari, que marcou um dos gols mais bonitos da Copa do Mundo 2022.
Um dos gols mais bonitos da Copa do Mundo 2022.
O que tinha tudo para ser um jogo fácil, havia se transformado em um verdadeiro pesadelo para a Argentina. Isso porque o time continuava encontrando as mesmas dificuldades para atacar. Além disso, atrás no placar, a ansiedade aumentou, o que provocava ainda mais erros individuais.
Mesmo assim, os espaços continuavam aparecendo, as superioridades pelo campo eram nítidas. Mas nada funcionava!
Em todo o segundo tempo a Argentina teve muito volume de jogo e apenas duas chances claras de gol para empatar a partida.
Gráfico de produção ofensiva de Argentina (azul) e Arábia Saudita (verde).
A Arábia Saudita viu sua chance de fazer história, e aproveitou. Com muita entrega e superação, vendeu caro cada lance até o fim, e conseguiu segurar o resultado.
Final Argentina 1 x 2 Arábia Saudita.
Para o time árabe, a vitória valeu tanto quanto um título valeria para a Argentina.
Arábia Saudita vence a Argentina e faz história no Catar.
Enquanto para a Argentina, a derrota serviu como um choque de realidade, e a dura lição de que em Copa do Mundo, cada minuto vale um pedaço da Taça.
Restava saber como a equipe reagiria para o jogo contra o México na sequência da competição.
Metade do Time Fora e o Brilho do Gênio
Após a derrota, a sombra da dúvida pairava sobre o time que havia chegado ao Catar como o segundo favorito ao título.
Contudo, tempo é luxo! A reação precisaria ser imediata em uma Copa do Mundo.
Isso porque, quatro dias depois, a Argentina entraria em campo contra o México. Jogo onde um resultado ruim poderia significar a eliminação precoce da Albiceleste.
A Estratégia Contra o México
Para o jogo contra o México, o técnico Lionel Scaloni barrou nada menos do que cinco jogadores que haviam sido titulares no primeiro jogo: Molina, Romero, Tagliafico, Paredes e Papu Gómez.
Dessa maneira, a Argentina foi a campo com: Martínez; Montiel, Otamendi, Lisandro Martínez e Acuña; De Paul, Guido Rodríguez e Mac Allister; Di María, Messi e Lautaro Martínez.
Argentina muda para o 1433 contra o México.
Outra mudança, como você deve ter percebido na imagem, foi o sistema tático do time: 1433.
A primeira variação da seleção de muitas faces. Uma adaptação para neutralizar a saída de bola do México, que jogou com três zagueiros.
Para isso, o papel dos três jogadores pela direita foi fundamental.
Aqui vale a pena uma explicação mais detalhada.
433 e a Liberdade Para Di María Pressionar
Então, diferente do jogo contra a Arábia Saudita quando Di Maria marcou o lateral esquerdo, contra o México ele avançava para pressionar o zagueiro esquerdo.
Di María pressionando o zagueiro, De Paul aberto, Montiel marcando o lateral.
Montiel se encarregava de marcar a descida do lateral. Enquanto o responsável por marcar na faixa central até a lateral do campo, era o De Paul. Dessa maneira, Di Maria pressionava alto sem se preocupar com as costas.
Isso só foi possível com a entrada de Guido Rodríguez, que permitia o De Paul cobrir até a faixa lateral, e com o Mac Allister fechando o meio pelo outro lado.
Essa primeira variação tática, funcionou muito bem, neutralizou a saída de bola do México, e consequentemente seu ataque.
Ao longo do jogo todo, o México não teve nenhuma chance clara de gol.
Além disso, a nova defesa também deu conta do recado, e Scaloni ganhou boas alternativas para escalar na última linha.
Defesa Sólida e Ataque Travado
Se por um lado a defesa ia bem, o ataque continuava sua saga de sofrimento.
Nesse ponto é importante destacarmos os méritos da defesa do México de Tata Martino, que quando recuava seu bloco de marcação no 1532, era um terror para qualquer ataque.
No entanto, alguns espaços começavam a aparecer. Em especial, pelos lados do campo a Argentina conseguia criar superioridade numérica e sobrecarregar o lateral. Isso acontecia tanto pela direita, quanto pela esquerda.
Gráfico de produção ofensiva, poucas chances claras de gol.
Mas assim como no primeiro jogo, mesmo com vantagens táticas e técnicas, a Argentina não conseguia criar.
Assim, matando a saída de bola do México o time conseguia ter a posse, mas não convertia em chances muito perigosas. Os ataques paravam na compactação ofensiva do México.
Mas se a infiltração pelo meio do bloco está difícil, a solução pode estar em uma finalização por fora dele.
Messi Salva a Argentina
Foram mais de 60 minutos sem nenhuma chance clara de gol, nem de Argentina, muito menos de México.
Até que aos 63 minutos, brilhou a estrela de Lionel Messi.
Com esse belo gol, Messi tirava um enorme peso das costas de todos os argentinos, por vários motivos.
Primeiro que o time espantava de vez o risco de uma eliminação precoce. Segundo que nada como um gol do seu principal craque para reacender as esperanças, não só do time, como também da torcida.
Aliás, a torcida argentina deu um espetáculo nas arquibancadas.
O gol de Messi representou o poder do desequilíbrio, a solução onde não há espaço.
Talvez esse tenha sido o gol mais importante da Argentina, o gol que lembrou ao mundo o porquê a seleção era uma das favoritas.
O gol que colocou novamente a seleção no caminho da vitória, e que não poderia ter vindo em melhor momento.
Mudanças Depois do Gol
Poucos minutos depois de conseguir seu primeiro gol, Scaloni promoveu mais alterações no time. Mas não apenas com substituições, mudou também a formação: 1532.
A Argentina muda para o 1532 após o primeiro gol.
Esse era o terceiro esquema tático utilizado em apenas dois jogos na Copa do Mundo.
Prevendo que o México aceleraria mais o seu jogo vertical e apostaria nos cruzamentos, a comissão técnica da Argentina optou pela entrada de mais um zagueiro.
Funcionou! O México continuou com muita dificuldade para finalizar suas jogadas.
Scaloni deixava claro que não hesitaria em defender o resultado, muito menos em alterar o esquema tático sempre que fosse necessário.
As Soluções do Meio-Campo
Um dos principais pontos de atenção da Argentina, mesmo antes da Copa, havia sido o meio com De Paul e Paredes.
Então, essa partida contra o México foi importante para outros dois jogadores surgirem como soluções reais: Mac Allister e Enzo Fernández.
Mac Allister entrou muito bem pela esquerda, oferecendo mais força na marcação, e arrancadas rápidas nas transições.
Mac Allister e Enzo Fernández soluções no meio.
Já Enzo Fernández entrou no decorrer da partida como primeiro volante, e ainda fez o segundo gol do jogo.
Diferente do Paredes, De Paul não precisou ir para o banco, mas a nova estrutura do meio campo fez o seu futebol render muito mais. De quebra, Scaloni colocou o fiel escudeiro de Messi para literalmente proteger suas costas.
Final Argentina 2 x 0 México.
A Argentina estava mais viva do que nunca.
Com novas (e velhas) caras se apresentando como solução em um dos momentos mais difíceis.
A Confirmação da Vaga e do Favoritismo
No último jogo da primeira fase da Copa do Mundo, o adversário mais bem rankeado do grupo depois da própria Argentina: a Polônia de Robert Lewandowski.
Ainda com chances reais de eliminação, a Argentina não poderia se dar o luxo de poupar jogadores. Portanto, foi com força máxima, e mais uma vez com mudanças na escalação.
Em relação ao time titular contra o México, nada menos do que 4 alterações nos 11 iniciais: Molina e Romero de volta ao time titular, Enzo Fernández e Julián Álvarez como novidades.
A Argentina no 1433 contra a Polônia.
Com quatro alterações, e o 1433, Scaloni mandou a Argentina a campo com: Martínez; Molina, Romero, Otamendi e Acuña; De Paul, Enzo Fernández e Mac Allister; Di María, Messi e Julián Álvarez.
Mas era um 1433 diferente do jogo contra o México. Afinal, a Polônia não tinha três zagueiros.
Então, os pontas (Di Maria e Álvarez) marcavam a descida dos laterais. Enquanto o trio de meio campo ficava mais centralizado, com Enzo Fernández mais recuado ajudando a “encaixotar” o Lewandowski.
O Ataque Deslancha
Essas variações foram importantíssimas, o que se viu em campo mais uma vez foi um domínio incontestável da seleção argentina.
Esse encaixe de marcação matou a saída de bola da Polônia, tanto pelo chão quanto pelo alto. Dessa maneira, a Argentina tinha o controle da bola.
No entanto, além do volume de jogo, pela primeira vez na Copa do Mundo o time conseguia converter posse de bola em grandes oportunidades.
A Argentina produziu muitas chances claras de gol contra a Polônia.
Sem dúvidas o melhor jogo do time até aquele momento. Solidez defensiva, marcação pressão encaixada, e variações de jogadas de ataque que funcionavam.
Curiosamente, na partida onde o coletivo ofensivo engrenou, individualmente Messi não fez sua partida mais inspirada na Copa do Mundo.
Mesmo não estando em sua melhor noite, a contribuição para desafogar o time e armar jogadas foi enorme.
Mas acabou desperdiçando boas chances, inclusive um pênalti defendido por Szczęsny.
Messi desperdiça a chance de abrir o placar.
Organização Ofensiva Base da Argentina na Copa
Scaloni liberava seus laterais para atacar, muitas vezes simultaneamente. Aliás, mesmo que o time mudasse o posicionamento defensivo, a organização inicial do ataque acabava sendo a mesma.
Mas isso não impedia o time de criar variações!
No início da partida, Molina e De Paul se revezavam para atacar. Quando Molina avançava, De Paul recuava, e vice-versa.
Com Di María aberto pela direita e De Paul atacando, Molina inicia recuado.
Acuña virava praticamente um ponta esquerda, atacava em todas as posses de bola.
Resumindo, era muita gente atacando, e muita gente se movimentando. A mobilidade do ataque também foi se transformando em uma marca registrada da equipe.
Essa partida da Polônia foi um marco nesse sentido.
Variações de Jogadas de Ataque
Contra a Polônia, a organização ofensiva inicial gerava vantagens para a Argentina.
A primeira delas talvez tenha sido o plano principal do time para essa partida. Ou seja, a jogada mais tentada: uma armadilha para as inversões.
O time levava a bola para a direita, mas ao invés de forçar uma jogada de linha de fundo, Messi recuava e invertia o jogo com o Acuña, que encontrava muito espaço.
Principal jogada da Argentina: inversões da direita para a esquerda.
Depois disso, imediatamente Scaloni passou o Di María para a esquerda na tentativa de melhorar a qualidade da jogada. Assim, Acuña passou a atacar por dentro.
Di María vai para a esquerda e Acuña ataca pelo meio.
Outra vantagem do ataque era a superioridade numérica pelos lados, em especial atacando pela direita, quando o Molina escapava do Frankowski.
Então, mesmo iniciando as jogadas por fora do bloco, ele também era alternativa ofensiva.
Observe no lance abaixo como o Molina avança, De Paul recua, e o lateral (Bereszyński) fica sobrecarregado com dois para marcar.
Molina trocando com De Paul e escapando livre.
Inclusive no primeiro lance do segundo tempo, em uma escapada de Molina pela direita, Mac Allister abre o placar para a Argentina.
Molina escapando pelo lado e fazendo o cruzamento.
Mudanças Após o Gol
Mais uma vez Scaloni não hesitou em reforçar a defesa para proteger o resultado. Assim, 15 minutos após o primeiro gol, ele promoveu mudanças no time: Paredes no lugar de Di María, Tagliafico no lugar de Acuña.
Além disso, mudou também o esquema tático para o 1442, sem pontas de origem, formando uma linha com quatro meio campistas, tendo De Paul e Mac Allister mais abertos.
Após o gol, força de marcação no meio de campo.
Mais uma variação da seleção de muitas faces.
Na prática Scaloni liberou Álvarez, para ficar mais solto a frente junto com Messi, e com isso ajudar a desafogar o time depois de recuperar, tanto para manter a posse de bola, quanto para puxar os contra-ataques.
Mais uma vez deu tudo certo!
A Argentina não cedeu uma chance sequer à Polônia, e ainda criou grandes chances de construir um placar até mais elástico.
Entretanto, o segundo gol não poderia ter sido mais simbólico.
Arrancada de Enzo Fernández e assistência para o gol de Julián Álvarez. As duas caras novas do time titular.
Final Polônia 0 x 2 Argentina.
Vaga garantida, primeiro lugar no grupo, e o despertar do ataque.
Diferente do 2 a 0 contra o México, a vitória contra a Polônia deixou um saldo coletivo muito mais positivo, e alimentou ainda mais a confiança para o título.
Oitavas de Final Contra a Austrália
Em seu primeiro jogo eliminatório da Copa do Mundo 2022, a Argentina tinha pela frente a Austrália.
Dessa vez, a única alteração não foi por opção do técnico Scaloni, mas sim por necessidade. Di María sentindo lesão, foi para o banco, em seu lugar Papu Gómez voltou ao time titular.
Então, Scaloni mandou a equipe a campo com a seguinte escalação: Martínez; Molina, Romero, Otamendi e Acuña; De Paul, Enzo Fernández e Mac Allister; Álvarez, Messi e Papu Gómez.
A Argentina inicia no 1433 contra a Austrália, não deu certo.
O time começou no 1433, com Papu Gómez e Álvarez marcando os laterais, e no corredor central um dos meio campistas avançando para ajudar Messi a pressionar.
O problema é que isso não funcionou!
Com o goleiro participando da saída de bola, a Austrália gerava quatro contra três, desencaixava a marcação, e conseguia bater a pressão escapando pelo meio.
Zagueiro direito e goleiro livres, desencaixam a marcação na saída de bola.
Agora, vale a pena destacar a velocidade da comissão técnica argentina, não só em perceber o problema, como em resolver rápido.
Comissão Técnica Reage Rápido e Arruma o Time
O lance onde o desencaixe ficou bem evidente foi exatamente aos 22 minutos. E 2 minutos depois, aos 24, veja o posicionamento da Argentina na imagem abaixo.
Resposta rápida da Argentina 1442 para encaixar a pressão.
O time mudou para o 1442, Papu Gómez foi para a direita. Mac Allister passou a cobrir o corredor esquerdo até a lateral, e Álvarez foi para a linha de frente com Messi, para tirar a liberdade do zagueiro direito que iniciava toda a dinâmica da saída de bola australiana.
Dessa vez, deu muito certo.
A Argentina matou a saída de bola da Austrália, e voltou a controlar a bola.
Messi Resolve Mais Uma Vez
Até metade do primeiro tempo o jogo foi de trocas de posse de bola, mas sem muitas tentativas de ataque.
A Argentina começou com a bola, na sequência a Austrália teve o seu momento (explorando o desencaixe de marcação na saída de bola), e depois da correção o jogo voltou a ser da Argentina.
Com a bola, a seleção de Scaloni não forçava as jogadas, circulava com paciência em busca de espaços. Ou esperando uma jogada com o brilho de Lionel Messi.
E ela aconteceu aos 35 minutos do primeiro tempo.
Mais uma vez um gol com a marcação encaixada, onde poucos encontrariam espaço. Além disso, em um momento importante, onde a Austrália se defendia com muita competência.
Mais Mudanças Após o Primeiro Gol
A Argentina até voltou para o segundo tempo da mesma forma que terminou o primeiro. No entanto, logo aos 4 minutos, Scaloni mudou.
Tirou Papu Gómez para a entrada de Lisandro Martínez. Com isso o time passou a jogar com três zagueiros, no esquema tático 1532. Ou seja, a terceira variação apenas nesta partida.
A Argentina muda no começo do segundo tempo.
Na prática o jogo travou de vez: vantagens defensivas evidentes dos dois lados.
Até que aos 56 minutos, em uma falha do goleiro Mathew Ryan, a Argentina chegou ao segundo gol com Julián Álvarez.
O gol sacramentaria a classificação da Argentina, mas em Copa do Mundo tudo pode acontecer.
Jogo Pega Fogo no Final
A partir do minuto 76 o que aconteceu foi para encher os olhos dos apaixonados por futebol.
Se até aquele momento as duas únicas grandes oportunidades haviam sido no gol de Messi, e na falha individual de Ryan, nos minutos finais apareceram nada menos do que 6 chances claras de gol.
Sendo 3 para cada lado.
A Austrália marcou no minuto 76, e perdeu uma grande chance poucos minutos depois.
Gol da Austrália e a chance do empate na sequência.
Na sequência a Argentina desperdiçou três grandes chances com Lautaro Martínez que havia entrado no lugar de Álvarez.
Lautaro Martínez desperdiça 3 grandes chances de gol em apenas 6 minutos.
E por muito pouco essas chances não fizeram falta, porque no último lance do jogo a Austrália teve a chance do empate.
A chance da Austrália no último minuto de jogo.
Bela defesa de Emiliano Martínez, aparecendo no momento em que a Argentina mais havia precisado até então.
Final Argentina 2 x 1 Austrália.
Classificação mais dura do que se esperava. No entanto, mais um passo dado em busca do grande objetivo.
A Batalha Épica Contra a Holanda
Nas quartas de final, a Argentina enfrentou a Holanda.
O que se viu foi simplesmente um dos melhores jogos da Copa do Mundo 2022.
O jogo teve todos os ingredientes de um clássico do futebol mundial: rivalidade, tensão nos bastidores, provocações, disputas fortes, e claro, muita estratégia.
Aqui vamos focar no que aconteceu dentro de campo, que já foi muita coisa.
Na quinta partida da Copa, a Argentina teve sua quinta escalação titular diferente: Martínez; Molina, Romero, Otamendi, Lisandro Martínez e Acuña; De Paul, Enzo Fernández e Mac Allister; Messi e Álvarez.
Formação inicial da Argentina contra a Holanda.
Contudo, apesar de ser um time titular inédito, não era uma escalação inédita. Esse exato desenho defensivo, com exatamente esses jogadores, já havia sido utilizado no segundo tempo contra a Austrália.
Talvez até mesmo como um teste para essa partida contra a Holanda.
Argentina Abre Mão de Pressionar
Pela primeira vez na Copa, a Argentina não conseguiu matar a saída de bola do seu adversário.
Não que a pressão estivesse desencaixada, mas sim que o time marcava a partir da intermediária.
Com dois jogadores pressionando a saída de três da Holanda, naturalmente um dos defensores sempre acabava livre. Especialmente pela direita com as escapadas do Timbers.
Timbers desafogou a saída de bola da Holanda.
Então, na prática a troca foi abrir mão de pressionar, para conseguir ter um bloco de marcação mais compactado.
Ou seja, ceder um pouco de posse de bola, mas oferecer menos espaços na defesa.
A grande verdade é que essa se mostrou uma estratégia inteligente. A Holanda não conseguia criar vantagem em nenhum duelo individual, e encontrou sérias dificuldades para criar.
Linha de cinco encaixada e Enzo Fernández sobrando.
A Argentina por sua vez, marcando com um a menos na frente, tinha um sobrando atrás para fortalecer a marcação.
A linha defensiva espelhava o ataque da Holanda, perseguia quando alguém recuava, e quem sobrava livre para dobrar ou interceptar era o Enzo Fernández.
Vantagens nos Detalhes
Então, a única vantagem que a Holanda encontrava era com Timbers e Aké neutralizando a meia pressão da Argentina. No entanto, mesmo com liberdade para avançar, a Holanda encontrava o bloco da Argentina fechado quando chegava ao ataque, e não convertia posse de bola em chances claras.
A organização da Holanda era basicamente a mesma da Argentina, com isso, os defensores da Argentina também poderiam fazer a mesma coisa para neutralizar a pressão.
Romero livre para avançar com a bola contra a Holanda.
Entretanto, diferente da Holanda, a Argentina tinha uma outra vantagem, além de levar vantagem em um duelo individual específico, o time tinha dinâmicas para gerar ainda mais dúvida, o que acabou sendo uma brecha na defesa da Holanda.
Que vale a pena entendermos com mais detalhes.
Blind x Molina
O duelo decisivo no primeiro tempo foi entre Blind e Molina, e o argentino levou a melhor.
A cada minuto do primeiro tempo, a intenção da Argentina em atacar pela direita ficava evidente.
Primeiro porque o time forçava as jogadas com Romero na saída de bola. Então, o fato do defensor avançar, acabava sempre atraindo a atenção dos marcadores daquele lado.
Além disso, Messi estava muito mais aberto pelo lado do que em outras partidas.
Messi mais aberto que o normal, De Paul e Molina atacando juntos.
Mas o fato chave foi De Paul e Molina atacarem ao mesmo tempo.
Estava claro, o plano da Argentina era sobrecarregar o Blind e Aké, para colocar o Molina em velocidade nas costas da defesa, seja pelo lado como no lance abaixo.
Argentina atacando em profundidade com Molina.
Ou pelo meio, como no lance do primeiro gol.
Molina escapa de Blind e Aké, e marca para a Argentina.
Aos 35 minutos a Argentina colhia os frutos da sua estratégia acertada. Mesmo sem tanta posse de bola, o time foi letal na única oportunidade que apareceu. Ou melhor, que construiu.
Isso porque, o time não hesitou em insistir na sua principal jogada para aquela partida até que ela funcionasse.
Assistência milimétrica de Messi, belo gol de Molina que havia atacado em praticamente todas as posses de bola da Argentina até aquele momento do jogo.
Resposta da Holanda de Van Gaal
Se de um lado estava a comissão técnica da Argentina, do outro estava a da Holanda, que percebeu o desencaixe pelo lado, e voltou para o segundo tempo com um plano para estancar a ferida.
Holanda encaixa a marcação na saída de bola da Argentina
Para isso, Van Gaal abriu mão de ter um defensor na sobra, avançou Blind que passou a marcar o De Paul. Aké passou a atuar mais aberto, praticamente como um lateral, ele passou a ser o responsável por frear as descidas do Molina. Enquanto pelo meio Van Dijk e De Jong se revezavam para caçar o Messi dependendo do espaço que ele ocupasse.
Duelo estratégico nos detalhes.
E funcionou, a Holanda neutralizou os ataques da Argentina com Molina, e mais, com uma pressão ajustada matou a saída de bola da Argentina.
Blind avançado pressionando o De Paul.
Pela primeira vez na Copa a Argentina não conseguia escapar da marcação pressão do adversário. No entanto, a frente no placar, o time passou a arriscar menos a saída no chão, e forçava a bola longa sempre que apertava.
A Holanda por sua vez, mesmo com muito mais posse de bola, sofria com a ausência de alternativas para criar vantagem sobre a defesa da Argentina. Ou seja, o cenário do primeiro tempo se repetia quando a equipe tinha a bola.
Resumindo, a Argentina já não fazia questão de ter a bola, defendia o resultado, a Holanda controlava a bola, mas não levava real perigo ao gol argentino.
Acuña Acha um Pênalti
A Argentina saía pouco, e não conseguia encaixar um contra-ataque com grande potencial.
O lance que ocasionou o segundo gol foi um achado de Acuña.
Em uma jogada sem muito potencial, Acuña consegue ganhar a sobra e arranca com a bola para cima de dois marcadores. Dumfries comete o pênalti em uma jogada relativamente morta.
Assim como no jogo contra a Austrália, tudo se encaminhava para a classificação. Agora era só fazer o que o time havia feito até aquele momento do jogo: se defender bem.
Mas a Copa do Mundo é diferente, ninguém desiste, ainda mais em um jogo como esse.
Emoção Até o Fim
A Holanda tentou 70 minutos ser um time mais consciente que circulava a bola em busca de espaços. Tabela de três, infiltrações, inversões diagonais, embaralhar as linhas, limpar corredor, nada disso havia sido o suficiente para bater a defesa Argentina.
Então, Van Gaal lançou sua estratégia mais elaborada e mirabolante: bola na área.
O bom e velho chuveirinho, em pleno 2022, garantiu um dos maiores espetáculos da Copa até aquele momento.
Isso porque a Holanda colocou dois centroavantes em campo: Luuk de Jong (1,88m) e Weghorst (1,97m).
E o plano B de Van Gaal deu certo. Aos 83 Weghorst marca de cabeça.
Bola na área, e o gol de Weghorst para a Holanda.
E nos acréscimos, praticamente no último lance do jogo, uma cobrança de falta ensaiada garantiu o empate da Holanda.
Jogada ensaiada, e o gol da Holanda nos acréscimos.
Mais uma vez a Argentina foi punida no final, mas dessa vez a bola do último lance entrou.
Prorrogação contra uma Holanda embalada e crescendo no jogo.
Argentina Mostra sua Força
Curiosamente a Holanda parou de forçar bolas longas na área.
Além disso, após as alterações o time passou a ter menos eficiência na marcação pressão, não sufocava mais a saída de bola da Argentina.
Com isso, aos poucos a Argentina foi tomando o controle do jogo. Fato é que em toda a prorrogação, as três melhores chances foram da Argentina.
As três melhores chances da prorrogação foram da Argentina.
Mas não foi o suficiente para vencer, e o jogo terminou empatado.
Para a festa ficar completa: decisão nos pênaltis.
Disputa completa de pênaltis Holanda x Argentina (Copa do Mundo 2022).
Final Holanda 2 (3) x (4) 2 Argentina.
Emoção até o fim, Argentina classificada para a semifinal, e mais forte do que nunca após essa grande batalha.
Passeio na Semifinal Contra a Croácia
O último obstáculo para chegar a final, era a Croácia, que havia eliminado o Brasil nos pênaltis.
Para evitar surpresas, Scaloni não subestimou o meio-campo croata, e promoveu seu sexto time titular diferente na Copa do Mundo 2022.
Assim, a Argentina foi a campo com a seguinte escalação: Martínez; Molina, Romero, Otamendi e Tagliafico; De Paul, Paredes, Enzo Fernández e Mac Allister; Messi e Julián Álvarez.
Além da escalação diferente, com quatro meio-campistas de origem na segunda linha, Scaloni organizou o time no 1442.
Formação inicial contra a Croácia, força no meio campo.
Na época da partida muito se repercutiu sobre a Argentina “povoar” o meio campo. Quando na verdade Scaloni não colocou mais jogadores no corredor central, mas sim tornou os encaixes pelo lado mais eficientes.
Afinal, no jogo contra o Brasil, a Croácia criava muita vantagem em especial pelo lado direito com Juranovic.
Aqui vale a pena entendermos com mais detalhes o que a Argentina fez de diferente.
4 Meio Campistas Para Melhorar o Lado do Campo
A Croácia tentava limpar o corredor para Juranovic. Primeiro, com o Pasalic (jogando de ponta) atraindo o lateral adversário para o meio. Segundo, com Modric ou Lovren carregando a bola em direção ao ponta adversário, para que o Juranovic escapasse livre.
Deu certo contra o Brasil, mas não contra a Argentina.
Curiosamente, tanto Brasil quanto Argentina se defendiam no 442, só para reforçar que esquema tático não explica tudo, as dinâmicas de troca de marcação são tão importantes quanto os números das linhas.
Vamos lá.
Enzo saindo para caçar o Modric, Mac Allister assumindo o Pasalic, e Tagliafico correndo com Juranovic.
Primeira diferença, o Modric nunca recuava livre. Ou seja, sempre que isso acontecia, Mac Allister ou Enzo Fernández avançavam para não deixar o craque do time pensar o jogo.
Segunda diferença, Tagliafico entrou para correr junto com o Juranovic. Então, quando o Pasalic tentava limpar o corredor, Tagliafico não ia junto, mantinha sua posição.
Com isso, sempre que a bola chegava no Juranovic, ele nunca estava livre.
Mac Allister e Enzo Fernández se revezando para pressionar Modric. Tagliafico sempre com Juranovic.
Otamendi ou um dos meio campistas assumia a responsabilidade de marcar Pasalic dependendo do espaço que ele ocupasse.
Dessa maneira, a Croácia até chegava ao campo de ataque, mas nunca com a Argentina descompactada.
Defesa Sólida e Eficiência no Ataque
A Croácia não apresentava um ataque muito forte, havia chegado até a semifinal com apenas uma vitória (sobre o Canadá). De fato a força do time estava do meio para trás.
Assim como a Argentina, a Croácia também se postava bem na defesa e cedia poucos espaços.
Entretanto, aos 31 minutos do primeiro tempo, Modric acaba errando um corte no meio, a bola sobra com Enzo Fernández e ele coloca o Álvarez na cara do gol.
Pênalti discutível, uma vez que o Livakovic já estava com o pé posicionado antes do choque.
De qualquer forma, o lance que gerou o pênalti em si, foi uma bela jogada de ataque rápido, aproveitando um dos poucos espaços que a Croácia havia oferecido.
5 minutos depois, após cobrança de escanteio da Croácia, a Argentina puxa o contra-ataque para marcar o segundo gol.
Observe como o Julián Álvarez estava no bico da pequena área, é ele quem sai em velocidade para bloquear o cruzamento, e atravessa o campo todo para marcar o gol.
Duas chances e dois gols.
Classificação Sem Sustos Dessa Vez
Com 2 a 0 no placar, tudo parecia encaminhado para uma classificação tranquila da Argentina.
Dessa vez sem surpresas.
Isso porque aos 62 minutos Scaloni fechou de vez o time, abriu mão de pressionar e mudou para o 1532.
Lisandro Martínez no lugar de Paredes e Argentina passa para o 1532.
Se o ataque da Croácia já estava em apuros, a missão havia ficado ainda mais complicada.
Mas faltava o brilho de Lionel Messi.
Final Argentina 3 x 0 Croácia.
A campanha da seleção que havia iniciado com derrota para a Arábia Saudita, agora chegava no capítulo final contra a França.
A Maior Final de Todos os Tempo
Na grande final da Copa do Mundo 2022, a Argentina tinha pela frente a França.
O que aconteceu nessa partida, nem os melhores roteiristas de Hollywood teriam tanta criatividade para escrever.
O mundo teve a oportunidade de assistir a um dos maiores eventos esportivos das últimas décadas. Para muitos a maior final de todos os tempos no futebol.
Final da Copa do Mundo FIFA Catar 2022. Argentina x França.
Com tudo o que a partida envolveu, os detalhes táticos e técnicos acabaram não tendo muito espaço para uma reflexão, mas eles são riquíssimos, e aqui será esse espaço.
Aperte os cintos, chegamos ao último capítulo da nossa história tática!
Eu espero de coração que você tenha se divertido lendo, tanto quanto eu me diverti escrevendo cada parágrafo, selecionando cada lance, e desenhando cada imagem.
Vamos lá!
A Sétima Escalação Diferente e a Volta de Di María
Como não poderia ter sido diferente, Lionel Scaloni e sua comissão técnica tinham um plano especial para a grande final.
Portanto, lançaram a campo sua sétima escalação titular diferente, no sétimo jogo da equipe: Emiliano Martínez; Molina, Romero, Otamendi e Tagliafico; De Paul, Enzo Fernández e Mac Allister; Messi, Álvarez e Di María.
A Argentina inicia o jogo no 1433 contra a França na grande final.
Importante reforçar que a Argentina tinha um 1433 exclusivo para essa partida.
Isso porque existia uma dinâmica de marcação específica, e um plano de ataque muito bem definido.
O Encaixe de Marcação Base
Assumindo menos riscos, a Argentina foi bem seletiva nos momentos de pressionar alto. Na maior parte do primeiro tempo o time marcava da intermediária para trás.
Vamos dar uma olhada no encaixe de marcação principal.
De maneira geral, a Argentina conseguia vantagem em todas as disputas. Assim, em todo o primeiro tempo, o ataque da França não conseguiu criar nenhuma chance clara de gol.
Mas a peça chave neste esquema foi o De Paul. Isso porque, como você deve ter percebido pela imagem, o Theo Hernández está livre.
Aqui vale a pena abrirmos uma seção apenas para explicar essa dinâmica, que foi extremamente arriscada, mas o De Paul cumpriu no limite uma tarefa que estava longe de ser fácil.
De Paul se Desdobrando em Três
A tônica do sistema defensivo ao longo da Copa do Mundo, foi a troca de marcação bem executada. O que não deixa de ser uma estratégia arriscadíssima em um torneio curto, com pouco tempo de preparação.
Essas trocas necessitam de entrosamento e muita coordenação coletiva. Mas como a Argentina fez isso tão bem em tão pouco tempo?
Comunicação e plano bem definido!
Além disso, o plano sempre estava muito bem definido, não havia dúvida. Ou melhor, quando alguém começava a ter dúvida, Scaloni mudava o time e encaixava a marcação.
No primeiro tempo da final, um jogador foi o símbolo disso: Rodrigo De Paul.
Ele era o responsável por três funções: marcar o Rabiot, marcar o Lucas Hernández, e fechar o lado da linha do meio se os dois estivessem recuados.
Então, quando a França levava a bola para a direita, De Paul marcava o Rabiot, e o Enzo Fernández ia caçar a sobra.
De Paul marcando o Rabiot.
Já quando a jogada vinha para a esquerda, De Paul abandonava o Rabiot, e disparava para marcar o Theo Hernández. Enquanto o Enzo Fernández assumia o Rabiot. Uma vez que o Molina estaria se ocupando do Mbappé.
De Paul marcando o Hernández.
Nas vezes em que os dois recuavam (Rabiot e Hernández), De Paul fechava o bloco para não deixar espaço para alguém receber e atacar a linha defensiva exposta.
De Paul garantindo a compactação do bloco.
A França invertia o jogo o tempo inteiro, então há de se imaginar como é difícil prever para que lado a jogada vai, e fazer a marcação de quem pode receber.
De Paul mudando de função dependendo da leitura da jogada.
O Plano Di María
Mas quem quer ser campeão precisa fazer gols, e para marcar gols em uma final de Copa do Mundo, ter um bom plano pode se transformar em uma grande vantagem.
A Argentina de Lionel Scaloni tinha um excelente plano: Di María.
Uma das forças da linha defensiva da França na Copa era a mobilidade. Quando alguém saía para caçar, os laterais fechavam para fazer papel de zagueiros.
Aliás, os dois laterais faziam, mas em especial o Koundé.
A Argentina soube usar a força do seu adversário contra ele mesmo. O plano consistia em gerar dúvidas no Koundé e arrastar ele para dentro o máximo possível.
Uma das formas de fazer isso era com o Mac Allister posicionado na frente dele o tempo todo. Enquanto o Álvarez, ou o Messi, atraíam a marcação do Varane para dificultar a troca.
Mac Allister entre as linhas para atrair o Koundé.
Assim, Di María poderia receber com espaço, até que o Koundé abandonasse o Mac Allister e fosse cobrir a bola.
Outra forma de fazer isso era com o Tagliafico correndo para dentro nas costas do Dembélé.
Tagliafico sempre ameaçando correr, um artifício a mais para limpar o corredor.
Avançar e abrir na esquerda com Di María foi o que mais aconteceu no primeiro tempo. A Argentina tentava a todo custo encaixar essa jogada.
Em suma, Di María foi para o ataque o que o De Paul foi para a defesa: o ponto de desequilíbrio do confronto.
Colhendo os Frutos
A seleção campeã do mundo de 2022 é um caso clássico de como as táticas e estratégias geram grandes vantagens dentro de campo quando todos abraçam a execução.
Observe no lance do primeiro gol, como o Mac Allister atrai a marcação do Koundé, e o Álvarez de primeira, sem hesitar, já aciona o Di María: plano claro e bem definido.
Observe no alto do vídeo como o Di María está o tempo todo livre, e o Koundé “ocupado”.
Então, o desdobramento é que o Dembélé tenta fazer a marcação. Agora, se para um defensor é difícil marcar o Di María, imagine para um atacante.
Antes do gol, em apenas vinte minutos, a Argentina tentou seis vezes acionar o Di María em diversas situações diferentes. A jogada do gol foi a sétima tentativa.
Natural que no primeiro contra-ataque o mesmo princípio fosse utilizado.
Primeiro contra-ataque da Argentina.
Messi solto para desafogar o time acha um passe excelente para o Álvarez. Mac Allister sempre atacando a linha defensiva recebe atraindo o Koundé. Resultado: Di María livre.
Assim, pela sexta vez na Copa do Mundo, a Argentina abria 2 a 0 no placar.
Mudanças na França e a Resposta da Argentina
Ainda no primeiro tempo, o técnico da seleção francesa Didier Deschamps promoveu duas alterações no time: Kolo Muani e Marcus Thuram, nos lugares de Giroud e Dembélé.
No entanto, as mudanças mais evidentes só puderam ser notadas após o intervalo.
A mais importante delas foi a descida de Koundé, que passou a tentar jogar nas costas de Di María.
Koundé passa a explorar as costas de Di María
Aos 63 minutos, a França tenta mais uma inversão com Koundé nas costas de Di María. Assim, imediatamente, a comissão técnica da Argentina decide fortalecer a marcação por ali.
Mais uma tentativa de inversão, na sequência Di María é substituído por Acuña.
O vídeo não tem cortes. Resposta rápida, mas será que a decisão seria das melhores?
Na prática o time estava abrindo mão da sua principal jogada ofensiva, apostando em segurar o 2 a 0. Sem Di María, a Argentina não conseguiu mais levar perigo ao gol da França.
Além do mais, como não poderia ter sido diferente, Scaloni reposicionou o seu time no 1442.
1442 com Acuña na linha do meio para tirar o espaço do Koundé.
A partir daí os dois sistemas defensivos não tinham brechas evidentes. Então, o jogo ficou bastante travado, sem grandes chances para nenhum dos dois lados.
Mas em Copa do Mundo ninguém desiste, ainda mais em uma final como essa.
França Busca Alternativas na Reta Final
Depois da mudança da Argentina, Deschamps não se contentou em esperar, promoveu mais mudanças na sua equipe para tentar destravar o jogo.
Aos 70 minutos, mais alterações: Coman e Camavinga, para os lugares de Griezmann e Theo Hernández. Dessa vez também com mudanças de posicionamento significativas.
Sem Griezmann, o time deixou de ter um meia aproximando da jogada, flutuando entre as linhas da Argentina, e passou a ter quatro atacantes tentando abrir a linha defensiva.
França muda e abre 4 atacantes contra a Argentina.
Curioso é que do espaço nas costas do Di Maria até a entrada de Coman, tudo isso aconteceu em um intervalo de apenas 7 minutos.
A grande verdade é que essa alteração não passou a produzir grandes vantagens para a França no ataque. Com isso, o jogo continuou travado.
Otamendi Destrava o Jogo
O jogo caminhava para o desfecho perfeito para a seleção Argentina. Uma vez que a França não conseguia se desamarrar da forte marcação.
Até que em uma disputa de bola, Otamendi hesita em cortar a bola de primeira, perde a disputa para Kolo Muani, e na sequência comete o pênalti que destravou a partida.
França marca no final e permanece viva na disputa.
Pois é, os milésimos de segundos que o Otamendi perde ao pensar o que fazer, foram decisivos para transformar o jogo na maior final de todos os tempos.
Agora a França precisava de apenas um gol para levar a partida para a prorrogação.
Começa o Show de Mbappé
O gol acabou acordando um jogador que esteve praticamente fora do jogo em 80 minutos. No entanto, bastaram 2 lances para que Mbappé reacendesse a esperança francesa.
Pouco mais de dois minutos após o primeiro gol, Coman acredita na jogada, toma a bola de Messi, e inicia a jogada de um dos gols mais bonitos da Copa do Mundo do Catar.
Mbappé marca para a França e empata a final.
Golaço de Mbappé, 2 a 2. Tudo aberto!
Aliás, a França não havia forçado a bola pelo alto para Thuram e Mbappé na esquerda até aquele momento do jogo. E com Camavinga subindo para fortalecer a sobra, por fim, essa havia se mostrado uma excelente alternativa para bater a marcação da Argentina.
Portanto, a França passou a forçar a todo custo jogadas pela esquerda. A Argentina por sua vez sobrevivia a várias tentativas de ataques, bolas paradas levantadas na área, e arrancadas do Mbappé que por muito pouco não terminaram no terceiro gol da França.
O apito final foi um verdadeiro alívio para a Argentina.
Prorrogação Completamente Diferente
O tempo extra começou de uma maneira completamente diferente do que o segundo tempo havia terminado.
Ou seja, assim como a Holanda, a França também mudou de postura, adotou novamente o jogo de paciência e circulação, e parou de forçar as jogadas pela esquerda a todo custo.
Melhor para a Argentina de Scaloni, que passou a ser menos exigida e aos poucos foi tendo mais posse de bola. Com isso, o time passou a chegar mais vezes ao ataque.
Foi nesse momento que o Di Maria começou a fazer muita falta. Isso porque a Argentina continuava fazendo a mesma jogada.
Argentina continuava tentando inversões, mesmo sem Di María.
No entanto, com Acuña recebendo aberto, a tendência é de um cruzamento longo para dentro da área. Diferente de uma arrancada para cima da marcação, ou uma infiltração mais consciente, que o Di María poderia oferecer.
França Encaixa a Marcação na Saída de Bola
Mesmo sem chances claras de gol no começo do primeiro tempo da prorrogação, um lance mais uma vez ativou as mudanças na seleção da Argentina.
Acompanhe.
Aos 8 minutos, saída de bola da Argentina e a França consegue recuperar a bola.
França encaixa a marcação na saída de bola da Argentina.
Isso porque os atacantes da França conseguiam neutralizar o triângulo do corredor central fazendo o balanço.
Balanço dos atacantes e marcação encaixada pelos lados.
E quando a bola chegava pelo lado a marcação estava encaixada.
Então, para não ficar encurralado na defesa, a Argentina precisava de uma alternativa para escapar da pressão, e chegar ao ataque sem se expor.
Aos 12 minutos, após mais uma pressão bem sucedida da França, substituição dupla na Argentina: Paredes e Lautaro Martínez, para as vagas de De Paul e Álvarez.
Na prática, foi muito mais do que uma substituição, foi uma mudança na saída de bola.
Saída de três impede a França de pressionar e gera liberdade na saída de bola.
A Argentina passou a fazer a saída Lavolpiana (a saída de três), com Paredes recuando para os zagueiros abrirem. O que matou o balanço dos atacantes da França que agora eram forçados a ficarem em linha.
Dessa forma, a Argentina neutralizava a pressão da França.
Argentina Melhora e Busca a Vitória
No primeiro tempo da prorrogação as duas melhores chances foram da Argentina, ambas com Lautaro Martínez.
Lautaro Martínez desperdiça as duas melhores chances do primeiro tempo da prorrogação.
Nas duas oportunidades ele acaba demorando demais para finalizar e deixa a defesa bloquear o chute.
Entretanto, era a confirmação de que a mudança na saída de bola havia desafogado o time, que passou a ter mais posse de bola no campo de ataque.
Outro destaque importante, é que a partir das alterações, a Argentina também havia alterado seu esquema tático. Dessa vez um que ainda não havia sido utilizado na Copa: 14132.
Argentina muda para o 14132, que ainda não havia sido utilizado na Copa do Mundo.
Enzo Fernández passou a ter mais liberdade para atacar. Uma vez que o Paredes assumia o papel de primeiro volante.
Esse pequeno detalhe, fez toda a diferença no minuto 17 da prorrogação.
Messi marca e coloca a Argentina na frente.
Troca de passes perfeita, contando com a aproximação de Enzo Fernández. Lautaro perde mais um gol cara a cara, mas Messi não.
3 a 2 Argentina, festa nas arquibancadas, a melhora em campo agora se via refletida no placar. Após três grandes chances a Argentina novamente estava com a mão na taça.
Mbappé Mantém a França Viva
Depois do gol, a França parece ter acordado novamente para o fato de que estava acontecendo no Catar uma final de Copa do Mundo.
Assim, passou a forçar o jogo como havia feito no final do segundo tempo.
O abafa acabou dando resultado. Mesmo sem vantagens táticas evidentes, aos 26 minutos Mbappé empata novamente a partida.
Pênalti para a França. Mbappé deixa tudo igual.
Com 3 a 3 no placar e as esperanças renovadas, os minutos finais foram na base da emoção.
A França simplesmente perdeu duas chances de ser campeã depois de tudo o que havia se passado no jogo.
Kolo Muani desperdiça duas chances de virar a final.
A defesa de Martínez estará para sempre na história do futebol. Mas não só essa.
Afinal, depois de uma prorrogação onde as duas equipes tiveram cada uma 3 chances claras de gol, a decisão final seria nos pênaltis.
Martínez Escreve Seu Nome Na História
Defendendo um pênalti, Emiliano Martínez foi o grande herói da disputa. Assim, como havia sido no final da prorrogação.
Disputa de penaltis completa. Final da Copa do Mundo 2022 – Argentina x França.
Mbappé (gol); Messi (gol); Coman (defesa); Dybala (gol); Tchouaméni (fora); Paredes (gol); Kolo Muani (gol); Montiel (gol).
Quis o destino que um dos principais jogadores da França na partida, um dos responsáveis pelo renascimento francês, perdesse o seu pênalti: Coman. Tchouaméni também desperdiçou sua cobrança.
Final Argentina 3 (4) x (2) 3 França.
Argentina campeã da Copa do Mundo FIFA Catar 2022.
Argentina na Copa do Mundo 2022
Com isso chegamos ao final da saga argentina na Copa do Mundo do Catar.
A seleção de muitas faces, que não hesitou em arriscar mudanças sempre que julgasse necessário.
Estudar as atuações da Argentina é uma grande lição sobre como as táticas certas para cada elenco, e cada adversário, podem ser a maior vantagem de uma equipe.
Assim, mesmo sem ter um elenco brilhante, que fosse recheado de grandes craques em todas as posições, a Argentina soube montar a melhor equipe.
A comissão técnica de Lionel Scaloni mostrou o valor de ter humildade para se adaptar ao seu adversário, independentemente do peso de sua camisa.
Importante reforçar o papel da comissão. Essas respostas rápidas que vimos ao longo do artigo, são coisas previamente pensadas.
Afinal, reagir rápido de forma eficiente, só é possível se você já sabe como responder aos movimentos do seu adversário.
Portanto, a Argentina só conseguiu transformar seu elenco no melhor time da competição porque tinha a melhor comissão técnica.
Que o legado da Argentina na Copa do Mundo 2022 sirva como inspiração para muitas equipes, pelo bem do nosso futebol.
Grande abraço e até a próxima!