O Brasil de 1982 deixou um grande legado ao futebol mundial.
Apesar de não ter conquistado a Copa do Mundo, as atuações da seleção comandada por Telê Santana encantaram o mundo.
Aliás, muitos grandes técnicos das gerações seguintes (dessa inclusive) já manifestaram sua admiração e inspiração na seleção canarinho.
Praticando o famoso “jogo bonito”, a seleção brasileira acabou tendo uma precoce eliminação contra a Itália, ainda na segunda fase da Copa de 1982.
Escalação titular do Brasil na Copa do Mundo de 1982.
Mas como jogava o Brasil de 1982? Como Telê Santana armou o time com 4 craques no meio de campo? A seleção foi eliminada por ser muito ofensiva? O que faltou para o título?
Até o final desse texto você vai saber tudo sobre a seleção de 1982.
Boa leitura!
Brasil 1982 – Seleção Favorita ao Título
Antes de chegarmos a Copa, é importante entendermos a expectativa criada em torno da seleção brasileira.
No período pré-Copa, o Brasil vinha invicto após uma eliminatória com 100% de aproveitamento, e uma sequência de amistosos com excelentes resultados, inclusive contra seleções da Europa.
Data | Jogo | Competição |
---|---|---|
08/02/1981 | Venezuela 0 x 1 Brasil | Eliminatórias |
22/02/1981 | Bolívia 1 x 2 Brasil | Eliminatórias |
22/03/1981 | Brasil 3 x 1 Bolívia | Eliminatórias |
29/03/1981 | Brasil 5 x 0 Venezuela | Eliminatórias |
12/05/1981 | Inglaterra 0 x 1 Brasil | Amistoso |
15/05/1981 | França 1 x 3 Brasil | Amistoso |
19/05/1981 | Alemanha Ocidental 1 x 2 Brasil | Amistoso |
08/07/1981 | Brasil 1 x 0 Espanha | Amistoso |
23/09/1981 | Brasil 6 x 0 República da Irlanda | Amistoso |
28/10/1981 | Brasil 3 x 0 Bulgária | Amistoso |
26/01/1982 | Brasil 3 x 1 Alemanha Oriental | Amistoso |
03/03/1982 | Brasil 1 x 1 Tchecoslováquia | Amistoso |
21/03/1982 | Brasil 1 x 0 Alemanha Ocidental | Amistoso |
05/05/1982 | Brasil 3 x 1 Portugal | Amistoso |
19/05/1982 | Brasil 1 x 1 Suíça | Amistoso |
27/05/1982 | Brasil 7 x 0 República da Irlanda | Amistoso |
Além disso, não só os resultados impressionavam, como também a maneira que eles haviam sido obtidos.
Definitivamente, Telê Santana havia criado um esquadrão, que além de vencer, encantava os torcedores e até mesmo seus adversários.
Dessa maneira, natural que o time fosse colocado, praticamente de forma unânime, como o grande favorito ao título mundial de 1982.
O Jogo Bonito do Brasil de 1982
Com o passar dos anos algumas ideias sobre o “jogo bonito” acabaram sendo subvertidas, algumas esquecidas, outras fantasiadas.
O chamado “jogo bonito” foi um termo cunhado pela mídia internacional para descrever o futebol brasileiro de maneira geral. Incluindo a seleção de 1982.
Jogo bonito virou sinônimo do futebol apaixonante, que encanta, que é prazeroso de se assistir. E não propriamente de uma maneira específica de se jogar.
No entanto, outras seleções brasileiras já haviam sido descritas pelo termo. Afinal, em 1982 o Brasil já era tricampeão do mundo.
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Mas, digamos que, o “jogo bonito” da seleção de 1982 era diferente do “jogo bonito” da seleção de 1970. Ambas as seleções encantaram o mundo, mas cada uma com suas peculiaridades.
Ao longo do texto vamos entender em detalhes tudo sobre como jogava a seleção de Telê Santana na Copa do Mundo.
A Chegada dos “Gringos” na Seleção
O que nem todo mundo lembra é que o famoso esquadrão de Telê Santana atuou junto em apenas 4 jogos.
Exatamente!
A escalação com Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico no mesmo time, foi utilizada pela primeira vez no segundo jogo da Copa do Mundo.
Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, atuaram juntos em apenas 4 partidas na campanha de 1982.
Isso porque, a seleção das eliminatórias e dos amistosos só contava com jogadores que atuavam em clubes do Brasil. Assim, Falcão, que atuava pela Roma, não era liberado.
Outro “gringo” era o atacante Dirceu, atleta do Atlético de Madrid, que atuou apenas o primeiro tempo da estreia.
Então, dos 22 convocados, apenas 2 atuavam fora do Brasil.
A Seleção das Eliminatórias e dos Amistosos
A primeira versão do Brasil de 1982, sem Falcão, contava com Paulo Isidoro exercendo uma função completamente diferente.
Paulo Isidoro era o titular na ponta direita antes da Copa.
Com essa formação, Zico tinha total liberdade para se movimentar quando o time tinha a bola. Mas, principalmente, tinha poucas responsabilidades defensivas.
Pela direita, Paulo Isidoro e Leandro se entendiam muito bem. Então, por mais que o lateral atacasse bastante, o ponta defendia muito bem. O mesmo acontecia pela esquerda, com Junior e Éder.
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Enquanto pelo meio Cerezo e Sócrates davam conta do recado.
Então, Telê Santana precisaria ser muito criativo para conseguir encaixar (ou não) o Falcão no time.
Brasil x União Soviética – O Peso da Estreia
O dilema de Telê não precisou ser resolvido de imediato. Já que na estreia contra a União Soviética, Cerezo estava suspenso, então ele fez uma substituição simples: Falcão no lugar de Cerezo.
Além disso, ele promoveu outra alteração em relação ao time que vinha jogando, com a entrada de outro “gringo”: Dirceu na vaga de Paulo Isidoro.
Basicamente, substituições peça por peça, sem grandes mudanças de posicionamentos, muito menos nas dinâmicas das movimentações.
Falcão no lugar de Cerezo (suspenso), e Dirceu no lugar de Paulo Isidoro.
Curioso é que a briga pela posição entre Dirceu e Paulo Isidoro acabaria sendo eliminada na sequência da Copa do Mundo com a volta de Cerezo: os dois seriam reservas.
De qualquer maneira, as coisas não foram tão bem no início.
Brasil é Surpreendido no Primeiro Tempo
Mesmo com um bom volume de jogo, o Brasil perdeu o primeiro tempo por 1 a 0.
A URSS era um time veloz e forte fisicamente, e se defendia com bastante compactação. Além disso, no lance do gol, Waldir Peres acabou falhando em um chute de longa distância.
Eficiência Ofensiva – Brasil 2 x 1 URSS (Copa do Mundo 1982)
Mesmo assim, pelo gráfico acima, podemos notar que a URSS teve mais duas chances claras de gol no primeiro tempo. Enquanto o Brasil, mesmo com mais volume de jogo, não conseguiu criar nenhuma.
Inegavelmente, isso está relacionado às jogadas de finalização que a equipe tentava.
Só para exemplificar, veja abaixo uma tabela das jogadas que o Brasil tentou no primeiro, e no segundo tempo.
Jogada | 1º Tempo | 2º Tempo |
---|---|---|
Infiltrações | 9 | 5 |
Cruzamentos | 5 | 16 |
Chutes Longa Distância | 2 | 11 |
Profundidade | 2 | 2 |
Contra-Ataques | 7 | 2 |
Bolas Paradas | 8 | 6 |
Em síntese, a grande diferença é que o time insistiu nas infiltrações no primeiro tempo, mas não obteve sucesso. Uma vez que acabava bloqueado pela compactação defensiva da União Soviética.
Segundo Tempo e a Mudança de Estratégia
Posteriormente, já no segundo tempo, Telê mudou a estratégia do time. Se as infiltrações não estavam funcionando, a melhor alternativa seria finalizar por fora do bloco de marcação.
Como resultado, o Brasil passou a arriscar mais chutes de longa distância.
Então, o que se viu no segundo tempo, foi um verdadeiro bombardeio ao gol soviético, que resultou em dois golaços.
Dessa forma, o Brasil virava a partida, espantava a zebra na estreia, e de quebra confirmava seu favoritismo com um vasto arsenal de jogadas ofensivas.
Final Brasil 2 x 1 União Soviética.
Brasil x Escócia – O Dilema de Telê Santana
Com Cerezo a disposição, Telê Santana acabou tendo que enfrentar seu maior dilema.
Se por um lado, ele poderia manter um ponta “falso” pela direita, escalando Paulo Isidoro ou Dirceu. Por outro, ele poderia abrir um dos meio-campistas, escalando Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico.
Então, Telê optou por manter Falcão no time, eliminando o ponta.
Portanto, o Brasil foi a campo na segunda partida da Copa do Mundo 1982 com a seguinte escalação: Waldir Peres; Leandro, Oscar, Luizinho e Junior; Cerezo, Falcão, Sócrates; Zico, Serginho Chulapa e Éder.
Com Cerezo de volta, Zico acabou indo para a direita.
Mas essa formação acabou gerando alguns problemas, tanto de posicionamento, quanto de insatisfações dos jogadores.
Zico Insatisfeito em Atuar Pela Direita
O plano inicial de Telê era que Zico ficasse um pouco mais aberto, e Sócrates mais avançado. Assim, Falcão e Cerezo seriam os volantes.
Além disso, deveria haver um revezamento para cobrir o Zico quando ele caísse pelo meio.
Todavia, o sistema de cobertura não funcionou muito bem, o que transformou Zico em ponta direita no primeiro tempo contra a Escócia.
Zico marcando recuado pela direita contra a Escócia.
Obviamente, Zico não gostou nada disso, e não escondeu sua insatisfação. Aliás, sempre que possível ele lembra desse episódio.
Brasil Mais Uma Vez Surpreendido no Primeiro Tempo
Por ironia do destino, mais um chute de fora da área abriu o placar, dessa vez um chute indefensável para Waldir Peres.
No entanto, apesar dos problemas pela direita, o Brasil chegou ao empate ainda no primeiro tempo.
Logo depois, a insatisfação de ter que marcar pela direita, não evitou que Zico cobrasse essa falta milimétrica para empatar a partida.
Força do Ataque do Brasil 1982
Mas se observarmos o gráfico de eficiência ofensiva, podemos notar que o gol sofrido, foi apenas um lance isolado. Acima de tudo, o Brasil manteve seu ritmo de produção ofensiva do início ao fim.
Eficiência Ofensiva – Brasil 4 x 1 Escócia (Copa do Mundo 1982)
Não obstante, a eficiência do segundo tempo foi ainda mais alta. Para isso, alguns fatores foram decisivos.
Primeiro que após as reclamações no intervalo, Zico passou a ter mais liberdade para jogar pelo meio, enquanto Cerezo e Falcão faziam a cobertura.
Segundo que Leandro, uma das principais armas do time no período pré-Copa, passou a ter mais liberdade para atacar.
Todavia, não devemos desconsiderar que a Escócia tinha uma defesa mais fraca do que a da URSS.
Fato que o Brasil atropelou a Escócia no segundo tempo, e conseguiu mais uma vitória na Copa do Mundo.
Por fim, Brasil 4 x 1 Escócia.
Brasil x Nova Zelândia – O Jogo Bonito de 82
Na última rodada da fase de grupos, o Brasil enfrentou o adversário mais fraco: a Nova Zelândia.
Então, as questões defensivas, em especial o lado direito, foram esquecidas, pois o adversário não tinha condições de atacar o Brasil.
Além disso, dessa vez não teve surpresa de fora da área.
Portanto, depois da definição do time titular e do entrevero no jogo contra a Escócia, a partida contra a Nova Zelândia serviu para a seleção de Telê Santana mostrar ao mundo o jogo bonito de 82.
Todos Atacam na Seleção de Telê Santana
Primeiro que todos os jogadores atacavam (menos Waldir Peres). Mas obviamente, não atacavam todos simultaneamente.
O maior exemplo disso, é notar como os zagueiros (Oscar e Luizinho) apoiavam, finalizavam de longa distância, e até mesmo invadiam a área.
Para que isso fosse possível, Telê Santana exigia um senso de coletividade grande em todos os jogadores. Dessa forma, a prioridade não era atacar a todo custo, mas atacar os espaços livres.
Então, quando algum jogador (mesmo um defensor) estivesse desmarcado, ou identificasse algum espaço, ele poderia atacar, confiando que outro jogador ficaria responsável pela cobertura caso o time perdesse a bola.
Portanto, os jogadores precisariam de muita inteligência e leitura de jogo para perceber as movimentações de seus companheiros.
Em suma, a ordem era cooperar, fazer um revezamento na cobertura para que todos pudessem atacar. Com isso, transformar em um inferno a vida dos adversários.
Trocas de Posição e Mobilidade
Com todos atacando, é natural que o time precisasse de muita mobilidade, muita movimentação e trocas de posições.
Ou seja, era difícil ver alguém parado em uma posição específica por muito tempo quando o time tinha a bola.
O maior exemplo dessa mobilidade, e liberdade de movimentação, eram os dois laterais: Junior e Leandro.
Junior, lateral esquerdo, frequentemente era visto pelo meio. Bem como em alguns momentos era visto até mesmo na ponta direita.
Do mesmo modo, não era incomum ver Leandro, lateral direito da seleção, se movimentando até mesmo pela ponta esquerda.
Então, se os laterais cruzavam o campo, imagine as movimentações dos meio-campistas.
Porém, isso só funcionava pelo princípio explicado no ponto anterior: cooperação e cobertura.
Elemento Surpresa
Talvez, atacar o espaço, e desencaixar a marcação com os homens vindos de trás, seja um dos maiores legados dessa seleção.
Mesmo que não fosse uma coisa nova no futebol, a maneira como essa seleção fazia era de uma excelência inigualável.
Para isso, Telê Santana tinha 6 jogadores que poderiam ser acionados como elemento surpresa: Junior, Leandro, Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico.
Ademais, além de se apresentarem como elemento surpresa, todos eles tinham qualidade para acionar o companheiro que estivesse se movimentando livre.
Contudo, o ponto alto na armação da seleção de 82, sem dúvidas, era a eficiência dos passes de Zico.
Verticalidade e as Tabelas de Ultrapassagem
Só para ilustrar, qualquer compilado de lances da seleção de 1982 inevitavelmente será composto por uma infinidade de tabelas de ultrapassagem.
Afinal, essa é uma excelente maneira de explorar os princípios de jogo descritos nos pontos anteriores.
Todavia, um fato que é importante ser reforçado é sobre a verticalidade do time. Em resumo, o time não tocava de lado. Então, estava sempre em busca do gol.
Assim, a seleção de Telê Santana tinha uma posse de bola extremamente ofensiva. Em outras palavras, o time não hesitava em se lançar ao ataque e arriscar.
Dessa maneira, o “toca e passa”, era uma das jogadas principais do time.
Por fim, o Brasil conseguiu uma vitória tranquila na última partida da primeira fase: Brasil 4 x 0 Nova Zelândia.
Brasil x Argentina – Batalha Contra a Atual Campeã
Se na partida contra a Nova Zelândia o show havia sido espetacular, mas o adversário não estava à altura, nada melhor do que enfrentar os atuais campeões do mundo, reforçados por Maradona.
Na segunda fase da Copa do Mundo de 1982, o Brasil caiu no grupo de Argentina e Itália. A fim de decidir a vaga, as seleções se enfrentariam, e o melhor colocado do grupo estaria classificado para a semifinal.
Com o intuito de manter sua filosofia, Telê Santana repetiu a sua escalação titular pela terceira vez.
Argentina Domina o Brasil no Início
Os primeiros 10 minutos do jogo foram difíceis para o Brasil. Certamente, a Argentina foi muito superior, teve mais posse de bola, e principalmente tentativas de ataque.
Só para ilustrar, no gráfico abaixo cada esfera é uma tentativa de ataque, e o potencial de perigo é o tamanho (quanto maior, mais potencial).
Argentina domina os 10 primeiros minutos.
Assim, podemos notar que o Brasil praticamente não chegou ao campo de ataque nos 10 primeiros minutos.
A seleção de Telê Santana cometia erros triviais, passes curtos, domínios de bola. Com isso, a Argentina tinha facilidade em recuperar a posse de bola.
Contudo, em uma saída em contra-ataque, Serginho Chulapa sofre uma falta na intermediária.
Embora o Brasil estivesse pior, Éder acertou uma pancada de longe e Zico abriu o placar no rebote.
Com efeito, os dois times sentiram o gol, o Brasil passou a errar menos, ficou mais à vontade, enquanto o nervosismo passou para o lado argentino. Uma vez que a derrota significava a eliminação para a seleção de César Menotti.
Começa o Jogo Bonito
Depois que o Brasil melhorou, as jogadas de efeito começaram a aparecer. Mesmo que do outro lado estivesse um grande rival.
Ainda no primeiro tempo a seleção brasileira criou três boas chances, duas delas com potencial altíssimo. Sobretudo explorando seus princípios de jogo que encantavam o mundo.
Em síntese, o Brasil passou a gerar muita vantagem no ataque com seus homens vindos de trás.
Então, pelos lances é possível perceber como os laterais e meio-campistas do Brasil escapavam dos seus marcadores com facilidade. Por consequência, os zagueiros argentinos acabavam sobrecarregados.
Brasil cria 6 grandes chances contra a Argentina, 3 em cada tempo.
Brasil Explora Sua Maior Vantagem e Amplia o Placar
Assim, enquanto a partida continuasse favorecendo o Brasil, seria uma questão de tempo até que o segundo gol saísse.
Aliás, as jogadas dos dois gols não poderiam ter sido mais simbólicas, desencaixe de marcação de um jogador vindo de trás: Falcão no lance do segundo gol, e Junior no terceiro.
A festa só não foi completa pelos erros no final do segundo tempo, que acabaram produzindo três grandes chances para a Argentina.
Primeiro, fazendo o Brasil provar do seu próprio veneno com a infiltração de um jogador vindo de trás. Segundo, em um erro de saída de bola de Junior, e outro de Batista.
No entanto, a vantagem construída ao longo do jogo era mais do que o suficiente. Por fim, Brasil 3 x 1 Argentina.
Dessa maneira, o Brasil precisaria apenas de um empate contra a Itália para se classificar.
Brasil x Itália – A Tragédia do Sarriá
A história da eliminação do Brasil é cheia de curiosidades, que dão um tom de desventura ao episódio que ficou conhecido como a Tragédia do Sarriá.
- Até aquela partida, Paolo Rossi não havia marcado gols na Copa, e marcou logo 3.
- O Brasil não sofreu sequer 2 gols na mesma partida no ciclo das eliminatórias, amistosos pré-Copa, e até então na própria Copa.
- Alguns jogadores italianos já programavam a volta para casa, antes da partida contra o Brasil.
- O Brasil foi eliminado na partida em que mais criou grandes chances.
- No gol da eliminação, o time estava quase todo dentro da área para se defender.
A princípio, o placar de 3 a 2 pode gerar uma falsa sensação de que a Itália teve um grande volume de jogo ofensivo. Não teve.
Só para ilustrar, perceba como no gráfico abaixo, os três gols são momentos isolados (eles serão abordados mais adiante neste artigo).
Eficiência ofensiva – Itália 3 x 2 Brasil – Copa do Mundo 1982.
Contudo, perceba como a produção ofensiva do Brasil seguiu o seu padrão. Ou melhor, o Brasil produziu ainda mais grandes chances contra a Itália do que em qualquer outra partida.
Tentativas de ataque do Brasil e o potencial de perigo
O gráfico detalhado é ainda mais esclarecedor nesse ponto. Em resumo, o Brasil fez o que se esperava, jogou exatamente como vinha jogando.
Contudo acabou sendo eliminado, vamos entender o porquê.
As Duas Vulnerabilidades Crônicas do Brasil
O Brasil de 82 tinha duas vulnerabilidades, a primeira era a cobertura pela direita, que já descrevemos acima.
Entretanto, existia uma segunda vulnerabilidade, que quase ninguém havia percebido até o gol da Itália.
O Brasil tinha um problema para se defender dos escanteios.
Em suma, o problema é que Junior não saía junto com os outros defensores. A tendência é que ele ficasse na pequena área. Veja o vídeo abaixo dos escanteios do jogo contra a Argentina.
Portanto, muitos disseram que o Junior deveria ter saído no terceiro gol. No entanto, o que poucos perceberam é que esse não foi um lance isolado, era um problema recorrente.
Enfim, por enquanto, vamos guardar essa informação.
Rossi Abre o Placar Logo no Início
A Itália abriu o placar aos 5 minutos do primeiro tempo. Perceba no vídeo abaixo como a Itália inicia a jogada pela direita. Fato que desloca a marcação do Brasil para o lado.
Dessa forma, quando a bola é invertida a marcação está desencaixada. Consequentemente, na troca, Luizinho acaba em uma situação de 2 contra 1.
Desencaixe de marcação no primeiro gol da Itália, deixa Luizinho com dois para marcar.
Então, quando Leandro sobe para pressionar o cruzamento de Cabrini, Oscar opta por fazer a cobertura de Leandro, e não por acompanhar o Conti.
Em seguida, Luizinho acaba marcando Conti, e abandona Paolo Rossi, que cabeceia sem chances para Waldir Peres.
Assim, o Brasil sofria o único gol nascido por um problema de posicionamento coletivo.
A Resposta do Brasil 1982 Com Sua Melhor Jogada
Mesmo que o gol tenha saído no início, o Brasil não se abalou, e jogou tudo o que sabia com a bola nos pés.
Portanto, não demorou para que a principal jogada da equipe rendesse frutos.
Aliás, perceba o posicionamento no início da jogada. São 8 jogadores por fora do bloco de marcação da Itália.
Ou seja, apenas Zico e Serginho para se virar no meio de tantos marcadores.
Posicionamento inicial do Brasil no primeiro gol.
Mesmo que Zico estivesse sendo marcado de perto por Gentili, o camisa 10 não tinha problemas para escapar.
Com isso, o Brasil empatava a partida marcando um gol com sua marca registrada.
Itália Aproveita o Erro Individual
Depois do empate, o Brasil dominava a partida.
Contudo, em uma das poucas vezes em que a Itália conseguiu sair do seu campo de defesa, Luizinho cometeu falta em Tardelli.
A cobrança de falta em si não levou perigo ao gol do Brasil. Mas na saída de bola.
Falcão se apresenta, Cerezo faz o passe, que não sai perfeito.
Essa seleção praticamente não errava passes. Portanto, Falcão entende que o passe não era para ele, e acaba deixando para Luizinho ou Junior.
No entanto, Luizinho e Junior não estavam em vantagem para receber, mas sim Paolo Rossi.
Brasil Busca o Empate
A derrota significava a eliminação do Brasil. Mais uma vez a equipe não se abalou e continuou jogando tudo o que sabia com a bola nos pés.
Com isso, a seleção de Telê Santana criou mais três grandes chances antes de conseguir o empate. Duas delas com participação de Cerezo.
Aliás, a liberdade para a finalização de Falcão, só foi possível com a movimentação sem a bola de Cerezo.
Nada melhor do que um gol da dobradinha Cerezo-Falcão para “pagar” o gol sofrido.
Brasil Eliminado pela Itália
Mas não era o dia do esquadrão de Telê Santana, era o dia de Paolo Rossi.
Diferente do jogo contra a Argentina, onde o Brasil foi pressionado e cedeu vários escanteios, contra a Itália o Brasil cedeu apenas um único escanteio.
Mais uma vez Junior acabava ficando na pequena área, o que daria condições para Paolo Rossi eliminar o Brasil.
Esse era um comportamento que Junior repetia, como ficou claro no jogo contra a Argentina. Enquanto todo mundo saía da área, ele ficava recuado.
Fato que todos os outros saíam, então há de se imaginar que esse era o comportamento esperado. Entretanto, a comissão técnica não corrigiu isso para o jogo contra a Itália.
Em contrapartida, era apenas um gol, em um escanteio isolado. A contribuição do maestro Junior era positivíssima. E, talvez, ele estivesse executando o que para ele parecia ser o certo.
Fatalidades do futebol.
Porque o Brasil foi Eliminado?
Em conclusão, a eliminação passa muito mais pelas chances desperdiçadas, do que propriamente por problemas defensivos.
Muito se falou da falta que fez o Paulo Isidoro, ou ainda que o Batista (machucado) deveria ter sido titular. No entanto, o Brasil sofreu apenas um gol explorando o espaço pela direita da defesa.
Isso mostra que o sistema de rodízio funcionou bem. Além disso, a capacidade ofensiva do time era um benefício muito maior do que o risco a ser corrido.
Quantos gols o Brasil sofreu sem ter sido por erros individuais? Quantos gols o Brasil marcou atacando com os meio-campistas vindos de trás?
Só para ilustrar, segue abaixo a tabela com os gols sofridos e os motivos principais.
Gol Sofrido | Motivo |
---|---|
União Soviética | Falha individual de Waldir Peres. |
Escócia | Chute indefensável. |
Argentina | Falha individual de Batista. |
Itália | Falha coletiva. Marcação desencaixada. |
Itália | Falha individual de Cerezo. |
Itália | Falha individual de Junior. |
4 dos 6 gols sofridos pelo Brasil foram falhas individuais.
Erros individuais acontecem em qualquer partida, cabe ao adversário ser eficiente para aproveitá-los.
A Itália foi extremamente eficiente, enquanto o Brasil acabou vendo seus dois problemas crônicos serem explorados na mesma partida. Fato que ainda não havia acontecido com esse time.
Além do mais, a Itália era uma equipe muito forte. Definitivamente, não tanto quanto o Brasil, mas era um time com suas qualidades.
Afinal, não se ganha uma Copa do Mundo sem seus méritos.
O Legado do Brasil 1982 de Telê Santana
Inegavelmente, o Brasil 1982 de Telê Santana deixou um legado enorme para o futebol mundial.
Todavia, parece que o legado foi muito melhor aproveitado pelos países da Europa do que pelo próprio Brasil.
Isso porque a cultura do resultado, de que apenas o campeão serve, fez com que a decepção pela desclassificação gerasse um barulho muito grande.
Então, mesmo que em um primeiro momento, o Brasil tivesse orgulho de sua seleção derrotada, não demorou para que as críticas começassem a aparecer.
Após a Copa de 1982, o movimento de migração dos jogadores brasileiros para a Europa explodiu.
Ademais, muitas equipes passaram a se inspirar nas lições do mestre Telê.
Ao passo que no Brasil, passamos a adotar um modelo que se tornaria ultrapassado, o futebol dos volantes de força, marcadores. Afinal, se a Itália havia sido campeã dessa maneira, esse era o modelo a ser adotado.
Resumidamente, enquanto o mundo importava o que o Brasil havia criado de melhor, o Brasil, por sua vez, importava o que havia de pior no mundo.
Os reflexos disso podem ser notados nos dias de hoje, mais de 40 anos após a eliminação. Mas isso é assunto para outro artigo.
Grande abraço e até a próxima!