Quando os resultados não aparecem, a decisão quase sempre é a mesma: demitir o técnico. Mas e aí, será que essa é a melhor alternativa?
Quase nunca é. Cada demissão precipitada evidencia duas faltas: a de convicção, e a de planejamento.
Então por que será que insistimos tanto nessa saída?
Estamos presos a um ciclo vicioso há décadas, que sabotam trabalhos com grande potencial de longo prazo.
Contudo, para entender melhor como funciona esse ciclo, primeiro é necessário levantar a seguinte questão: até onde vai a verdadeira responsabilidade do técnico de futebol?
As funções de um técnico de futebol
Afinal, quais são as verdadeiras funções de um técnico de futebol?
De maneira geral podemos dividi-las em duas categorias: funções técnicas e interpessoais. A primeira é referente às estratégias e o comportamento do time em campo, e a segunda aos relacionamentos entre os grupos de interesse do clube.
Então, dentro das funções técnicas, temos responsabilidades como:
- Determinar a estratégia e as táticas da equipe.
- Aplicar treinos para otimizar as táticas escolhidas.
- Liderar o grupo de jogadores.
- Escalar o time.
- Promover substituições e alterações táticas durante os jogos.
Enquanto dentro das funções interpessoais, são funções do técnico:
- Ser o elo de comunicação entre diretoria e jogadores.
- Contribuir com a diretoria do clube no processo decisório de contratações e dispensas.
- Gerir o grupo de atletas resolvendo conflitos.
- Promover um ambiente produtivo
- Liderar a comissão técnica
- Extrair o máximo dos recursos a sua disposição.
Mas na prática nem sempre funciona assim.
Temos que ter em vista que as estruturas dos clubes são bem diferentes. Dessa maneira, na maioria dos casos os técnicos assumem tarefas que a princípio não seriam de sua responsabilidade.
A panela de pressão começa a ferver
Como você deve ter percebido**, as tarefas principais já exigem bastante dedicação**. Assim, quando o técnico absorve mais responsabilidade que o normal, os problemas tendem a se acentuar.
Esse acúmulo de funções acontece por vários motivos, e isso contribui para que o trabalho esteja desde o primeiro minuto pressionado.
Limitações estruturais dos clubes
Por vezes o técnico absorve responsabilidades a mais por conta da estrutura limitada dos clubes. Assim, acaba tendo que “jogar” em mais de uma posição.
No entanto, essas situações não são as piores. Isso porque, nestes casos, o profissional acaba entrando conscientemente na fogueira. Uma vez que as limitações da estrutura já são conhecidas (ou pelo menos deveriam) antes mesmo do contrato ser assinado.
Agora as situações mais complicadas são as fogueiras que a princípio não estavam armadas.
Técnico vira o escudo do clube
Existem outros casos, em clubes estruturados, onde o técnico é usado como escudo da diretoria. Vira porta-voz do clube para todo e qualquer assunto, mesmo que não seja de sua alçada.
Você já deve ter visto técnicos respondendo sobre salários atrasados, fechamento de contratos, rescisões e até questões de patrocinadores.
Dessa maneira, acabam expostos em linhas de frente que não são de sua responsabilidade. Essas situações são problemas grandes, acabam alimentando o ciclo vicioso que eu citei no começo desse texto.
Em outras palavras, o técnico chega com a melhor das expectativas. Inicia seu trabalho, oscila, perde algumas partidas, e quando se dá conta já está no olho do furacão.
Muitas vezes o que vemos em cenários de crise em um clube, os dirigentes fogem das câmeras e apenas o técnico dá entrevistas. Uma vez que as coletivas pós-jogo são praticamente mandatórias no Brasil.
Isso vai alimentando uma imagem de que ele é o responsável por tudo.
Oposição interna do clube sabotando
Existe ainda uma situação muito corriqueira em grandes clubes: pressão da oposição.
Há décadas assistimos a pessoas dentro do próprio clube torcerem contra um profissional, única e exclusivamente por ele ter sido trazido por uma ala da diretoria.
A oposição não se aguenta, torce contra, muitas vezes sabota, e qualquer resultado ruim vira argumento para demissão.
A saída mais fácil quase nunca é a melhor
Uma vez que o técnico acaba se transformando na própria imagem pública do clube, acaba virando o grande alvo em cenários de crise.
Afinal, ele é o porta-voz, líder, e literalmente responde pelo clube frente a imprensa e a torcida.
O movimento que se segue é sempre o mesmo, torcida, imprensa, e oposição, sustentados pelo argumento dos resultados ruins de curto prazo, pedem a cabeça do treinador.
Porém, quase nunca a melhor saída. Isso se estivermos falando da evolução tática do time, principalmente em trabalhos que não têm resultados imediatos, mas demonstram muito potencial.
Como eu disse anteriormente, se uma diretoria demite um treinador três meses após contratá-lo, o erro foi de quem?
Erram em avaliar, em contratar, em não ter convicção, em não ter planejamento de longo prazo, em não saber o estilo de jogo que querem desenvolver em campo.
Assim, o menos culpado é o técnico.
É possível resolver o problema?
Isso quer dizer que todos devem ser protegidos e não devem ser demitidos?
Claro que não!
O ponto aqui é uma mudança de paradigma sobre o que é avaliado, e não se a avaliação deve deixar de ser feita.
Analisamos resultados, mas resultados muitas vezes não mostram comportamentos, principalmente em trabalhos que estão iniciando.
Deveríamos estar discutindo comportamentos e não resultados. A evolução necessariamente passa por isso.
Em suma, a solução do problema é focar na evolução tática do time em campo, e não apenas no placar final, ou em melhores lances. Nada contra quem está de olho apenas no placar, ou nos melhores lances, mas essa pessoa não é a mais indicada a opinar sobre a evolução de um trabalho.
Com isso as pressões injustas seriam aliviadas, e as críticas naturalmente cairiam sobre os pontos corretos. Dessa maneira, contribuindo para a própria evolução do trabalho.
A colheita no médio e longo prazo, seria muito melhor do que os frutos do injusto modelo atual.
Como ser assertivo nas críticas?
Para ser o mais direto possível: analise jogos completos ou desista de fazer críticas.
A estrutura da formação de opinião no Brasil mudou, mas o assunto não. Hoje temos uma máquina formadora de opinião, descentralizada, calcada nas redes sociais, com diferentes influenciadores em cada nicho, ou torcida.
Eu mesmo tento puxar a corda para um lado, sou minoria, mas não desisto. A maioria das pessoas continua falando sobre o extracampo, sobre fofocas futebolísticas e sobre polêmicas plantadas.
E por quê? Porque isso dá audiência!
Falar da “treta” chama muito mais atenção do que falar de estratégia.
Não condeno quem produz, ou consome, esse tipo de conteúdo. O grande problema, é quando essas pessoas começam a criticar o trabalho de profissionais sem entender o que estão fazendo.
Alimenta o ciclo vicioso. É ruim para o futebol.
Portanto, assista a jogos completos, entenda o que está acontecendo em campo, ou desista de fazer críticas, e acompanhe o futebol puramente como lazer.
Quebrando o ciclo vicioso
Enfim, enquanto estivermos alimentando o mesmo ciclo vicioso, sabotaremos o desenvolvimento de trabalhos com potencial.
A avaliação equivocada, focada em resultados e números frios, faz com que a crítica quase sempre caia sobre os menos culpados na história.
Contrata, não avalia corretamente, sofre pressão injusta, cede a pressão, e demite.
Agora, repita isso por décadas…
A única coisa que pode quebrar esse ciclo, é a mudança na forma como o futebol de um time é avaliado, principalmente em relação ao trabalho dos treinadores.
Aqui nesse outro texto eu explico várias dicas para você começar a entender futebol com um nível de profudidade muito maior.
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Somente entendendo o que está acontecendo de verdade em campo as críticas deixarão de ser destrutivas e passarão a ser construtivas.
Então, entenda o jogo, avalie corretamente, faça sua parte, e não se esqueça de se divertir no processo.
Grande abraço e até a próxima!